"Temos conseguido recrutar rapidamente um número bastante razoável de participantes, sobretudo em doenças raras"

Entrevista com Maria José Santos, investigadora no departamento de Reumatologia do Hospital Garcia de Orta.

Set 01, 2018
Dr Maria Jose Santos
Maria José Santos, investigadora no departamento de Reumatologia do Hospital Garcia de Orta.

Como foi a sua primeira experiência como investigadora num ensaio clínico? O que a motivou a fazer investigação?

Já lá vão muitos anos e as coisas eram muito diferentes do que são hoje. Havia poucos ensaios clínicos, a organização e os apoios eram muito menores e praticamente todos os procedimentos recaíam sobre os investigadores. Foi uma maneira de contactar com uma realidade distinta, com procedimentos de grande rigor e de proporcionar aos participantes acesso a fármacos inovadores.

Tendo presente a sua primeira experiência como investigadora num ensaio clínico, conte-nos um pouco da evolução que tem vivido ao longo dos anos, pontos positivos e eventualmente menos positivos?

Ao longo dos últimos 20 anos os ensaios cresceram em número e em complexidade. Os responsáveis hospitalares passaram a encarar esta realidade de forma diferente, a reconhecer nos ensaios clínicos uma oportunidade para as instituições e a apoiar de forma mais estruturada a sua realização. Hoje em dia a maioria dos médicos participa de forma regular em ensaios clínicos e, em regra, isso tem uma repercussão positiva no seu desempenho clínico. O reverso da medalha é o tempo que os ensaios clínicos consomem e a dificuldade em incorporá-los nas atividades diárias.

Como reage um doente quando lhe propõe fazer parte de um ensaio clínico e de que forma o motiva a participar?

A generalidade dos doentes tem um grande altruísmo e aceita participar. Para alguns é ainda uma forma de aceder a novas terapêuticas, não disponíveis no mercado.

Um doente de ensaio clínico é um doente diferente?

Todos são potenciais participantes, mas é claro que alguns doentes têm menor probabilidade de integrar um ensaio devido às características da sua doença, comorbilidades, medicação, etc. Em regra, os doentes mais esclarecidos e com nível de educação mais elevado entendem bem a importância dos ensaios clínicos e aceitam mais facilmente participar. No decurso do ensaio os participantes têm um contacto muito assíduo e facilitado com a equipa de investigação, são avaliados detalhadamente, com procedimentos diferentes da prática clínica habitual e isto leva a uma forte ligação com a equipa de investigação.

Quais os principais problemas/dificuldades que podem dificultar a investigação clínica em Portugal? O que poderia ser feito para potenciar esta área?

A falta de tempo e a falta de espaço. A primeira pode ser melhorada com uma re-estruturação de tarefas e tempo protegido dedicado à investigação clínica. Já em relação à segunda, a resposta é mais difícil, pois tem a ver com as estruturas e funcionamento dos hospitais.

E o que se faz de melhor em Portugal nesta área e que poucos sabem?

A performance dos centros é muito boa, assim como o cumprimento das boas práticas clínicas e dos princípios éticos na condução dos ensaios clínicos. Temos conseguido recrutar rapidamente um número bastante razoável de participantes, sobretudo em doenças raras.

O que poderia ser feito nesta área para desenvolver e aumentar o número de ensaios clínicos em Portugal?

Ter tempos protegidos para investigação e valorizar curricularmente esta vertente, sobretudo fora dos centros académicos

Quais os principais desafios que a área da investigação lhe coloca diariamente?

Organização e gestão muito criteriosa do tempo

Depois de participar num ensaio clínico em que não conseguiu incluir o número de doentes previsto, o que faria de diferente?

É fundamental analisar criticamente o protocolo, estar consciente dos desafios e particularidades do estudo e ter expectativas realistas quanto ao número de doentes a incluir. Claro que podem surgir imprevistos, mas isso deve ser a exceção.

Tem alguma sugestão que possa facilitar a sua atividade como investigadora e que seja exequível de implementar no seu centro?

Optimizar infraestruturas de apoio (secretariados, coordenadores de estudo, etc.), agilizar colaboração entre os profissionais envolvidos (farmácia, imagem, laboratório, etc.) e aumentar o espaço alocado aos ensaios clínicos.